segunda-feira, 31 de maio de 2010

Com uma ajudinha dos meus amigos



Oh I get by with a little help from my friends,
hm Gonna try with a little help from my friends,
Oh I get high with a little help from my friends,
Yes I get by with a little help from my friends,
With a little help from my friends .
(Trecho da música With a Little Help From My Friends. Escrita por John Lennon e Paul MCartney. (1967). Do álbum Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band. The Beatles.)

A casa número 10050 da Cielo Drive, no elegante bairro de Bel Air em Los Angeles, entraria para a história como o palco de um dos episódios mais brutais e sangrentos da recente história criminal norte-americana. Na noite de 9 de agosto de 1969, quatro jovens na casa dos 20 anos – um homem e três mulheres – seguidores de uma seita fundada por Charles Manson, invadem a residência do diretor cinematográfico Roman Polanski, assassinam a sangue frio sua esposa, a atriz Sharon Tate, então grávida de oito meses, e mais quatro amigos do casal. As vítimas foram torturadas, esfaqueadas e espancadas até a morte, o sangue delas foi usado para escrever mensagens nas paredes. Em uma delas foi escrito Pigs (Porcos). Na noite seguinte, o mesmo grupo invade outra casa da região. Matam o empresário Leno La Bianca e sua mulher, valendo-se do mesmo modus operandi. As mensagens escritas na parede da casa desta vez, também com o sangue das vítimas, foram: Helter Skelter (Confusão), Death to pigs (Morte aos porcos) e Rising (Insurreição).
Charles Milles Manson acabara de cumprir uma pena de dez anos de prisão, quando em 1964 formou uma comunidade estilo hippie nos arredores da cidade de Los Angeles. O ex-presidiário tinha idéias grandiosas e os seus discípulos (ou Família Manson) eram jovens que acreditavam serem guiados pela reencarnação do Cristo e do Diabo, materializados na figura de Manson; ele mesmo possuía essa crença, de que fora o eleito para conduzir seu séqüito para a salvação. Segundo eles, uma guerra entre brancos e negros seria o maior conflito já travado na Terra, a chamada Helter Skelter, o mesmo nome de uma música dos Beatles. Charles Manson acreditava que a letra desta música continha mensagens subliminares para a execução de seu plano, o de controlar os Estados Unidos após a Helter Skelter. Para que seu intento obtivesse êxito, o conflito deveria ser deflagrado pela Família. Com seu imenso poder de persuasão, Manson fez com que quatro de seus mais fiéis e fanáticos seguidores, Charles “Tex” Watson, Susan Atkins, Patricia Krenwinkel e Linda Kasabian, colocassem em prática a mirabolante empreitada. Meses após aos crimes da Cielo Drive, a “Família” é presa por roubo de carros e, na cadeia, Susan Atkins confessa a uma colega de cela a autoria da morte de Sharon Tate. Tex, Atkins, Krenwinkel, Kassabiam e Manson são levados a julgamento, que transforma-se rapidamente em um grande circo de mídia. O líder do grupo alegou em sua defesa não ter participado diretamente de nenhum dos assassinatos. O quinteto é condenado à pena de morte em 1971. Entretanto, no ano seguinte à condenação, as leis do estado da Califórnia extinguiram a pena de morte e os réus tiveram sua pena comutada para prisão perpétua.
Os fatos narrados acima são o fio condutor da mais recente produção da companhia teatral curitibana Vigor Mortis, a peça-musical-documentário Manson Superstar. Peça esta apresentada dentro da Mostra Fringe do Festival de Teatro de Curitiba, no TEUNI (Teatro Experimental da Universidade Federal do Paraná) em março passado.
Apenas um rápido aparte: creio que tanto essa peça como tantas outras que participaram da Mostra Fringe deveriam ser melhor acolhidas pela organização do evento, que deixou muito a desejar neste ano de 2010. É triste constatar que um dos maiores Festivais de Teatro do país vem primando pela exaltação do seu gigantismo ao invés de se firmar pela qualidade.
Voltando a Manson Superstar.
A nova empreitada da Vigor Mortis dá prosseguimento à linha de pesquisa que já é marca registrada do grupo paranaense. A fusão das diversas linguagens. Mais uma vez, o cinema, o teatro e agora a música se encontram neste espetáculo que foge do convencionalismo na medida em que não se prende a uma narrativa textual tradicional. O textocentrismo dá vez aos atores que personificam em cena figuras reais; Charles Manson (Andrew Knoll), Roman Polanski (Leandro Daniel Colombo), Sharon Tate (Carolina Fauquemont), Jay Sebring (Wagner Correa), Leslie Van Houten (Michelle Pucci), Tex Watson (Marco Novack), Susan Atkins (Rafaella Marques/Uyara Torrente) e Patrícia Krenwinkel (Ana Clara Fisher) estão representados com uma precisão mimética bastante pronunciada.


Manson Superstar nasceu a partir de cenas e exercícios apresentados pelo elenco a Paulo Biscaia Filho, responsável pela direção e pela “provocação” da linha de dramaturgia. Seu trabalho foi juntar o material apresentado a partir de uma proposta pré-estabelecida e escolher as melhores cenas. O tema para o espetáculo surgiu do fascínio de Biscaia Filho pelo Caso Tate-La Bianca (como ficou conhecida a história nos Estados Unidos). O diferencial desta produção para os demais trabalhos da Vigor Mortis está na busca por novas linhas de pesquisa cênica, que fogem um pouco das características do grupo. Mas não muito! Ainda é perceptível a utilização da linguagem do Gran Grignol em determinadas cenas, especialmente naquelas em que o confronto físico entre as personagens é requisitado. Outros dois pontos bastante pronunciados que chamam a atenção em Manson Superstar: a forma como se estabelecem os diálogos entre as personagens e a recriação do fato histórico pelo viés dramatúrgico. Para esta, fica claro que diretor e elenco muniram-se de farta documentação, como filmes, textos e artigos de jornais, entre outras fontes, colhidas para a composição ficcional. A partir da adoção destes procedimentos, a trupe paranaense se aproximou das ferramentas utilizadas por profissionais que se dedicam aos estudos históricos, aqueles preocupados com o resgate de determinados aspectos da sociedade e de um tempo que ficou para trás. Aqui faço referência clara aos escritos do historiador Georges Duby, especificamente ao livro A história continua no qual ele discorre sobre o que é ofício do historiador, onde por vezes se vê obrigado a adentrar o ofício próprio dos dramaturgos para recriar determinado fato histórico.
Esta atualização contemporânea do fato ocorrido e presentificado pelos atores em cena é uma questão que leva a indagações sobre a posição do encenador/ dramaturgo dentro desta estrutura. Ou seja, vai para além do domínio sobre o assunto a ser teatralizado: de que meios se utilizar para obter a atenção plena do espectador? A resposta a esta pergunta está na escolha da transmissão dos diálogos em Manson. Não há a troca de texto entre os atores, quer dizer, não há uma troca formal. Os atores cantam suas falas e eles se deixam envolver pela música. Daí o entendimento a que se refere o diretor Paulo Biscaia quando afirma se tratar de uma peça com elementos do gênero musical. As poucas falas existentes são em inglês com legendas projetadas em português através de um telão. Mas a encenação é tão absorvente que passados vários minutos após o início do espetáculo é que percebemos que o texto dito pelos atores em cena não é o nosso corriqueiro.
Em Manson Superstar, a teatralidade é alcançada na medida em que o encenador busca o equilíbrio entre os fatos reais e verídicos que estruturam a peça e a subjetividade própria da criação artística. As personagens são retiradas de seus espaços biográficos e colocadas sob o contexto dramatúrgico que nos leva, como espectadores, à recriação dos fatos ocorridos pelo presente da encenação. O resultado é bastante gratificante como experiência teatral e histórica.
Informações sobre futuras apresentações e demais trabalhos do grupo no site da Cia Vigor Mortis.


Crítica publicada na revista eletrônica Questão de Crítica em 29 de maio de 2010

Um comentário:

Pedro disse...

acho que você devia ler isso: http://otragicomicobrasileiro.blogspot.com/2010/07/aqueles-filmes-que-ainda-nao-assistimos.html

meu novo texto do blog kkk

abração

pepê